domingo, 21 de maio de 2006


— Afinal em que ficamos? Que é que quereis que eu vos conte?


— As viagens que antigamente se faziam daqui a Braga.


— Isso mesmo.


Falavam todos ao mesmo tempo, batiam palmas. Era um reboliço à volta da lareira.


— Está bem, eu conto. Mas quero-vos a todos quietinhos e calados.


Eles aquietavam-se. Ela continuava


— Daqui a Ruivães ia-se a pé ou a cavalo, ao longo de dúzia e meia de aldeias e outras tantas pondras, pontilhões e pontes manhosas.


E quantas léguas?


— Muitas! A direito, serão umas quinze. Mas pelos caminhos velhos, cheios de torcicolos, rampas e precipícios, bota lá para umas vinte bem puxadas.


— Em quantos dias?


— Um.


— Arre!


Mas era preciso sair alta madrugada, para chegar ao escurecer.


— Sem parar?


— Com pequenas pausas. Para comer e outras necessidades. Levava-se um merendeiro, rações de grão para os animais. Amesendava-se pelas estalagens, que tinham comes e bebes para os viajeiros, e estrebarias anexas para as cavalgaduras.


— E não tinham medo?


— Nunca foram assaltados?


— Felizmente não. Mas nem todos tiveram a mesma sorte. Onde quer aparecia uma cruz a pedir um Padre Nosso por alma de quem ali morrera. Estou a lembrar-me de uma à saída da Vila da Ponte, onde em tempos idos, assassinaram um homem da freguesia de Salto; e de uma outra à entrada da Ponte do Arco, hoje submersa pela albufeira da Venda Nova, onde os ladrões mataram um estudante de Calvão, que regressava de Coimbra a casa.


— Oh!!!


E a malta caiu num silêncio de meditação e horror. Logo desfeito por um mais impaciente.


— E em Ruivães saltavam para a diligência.


— Não, meu filho! Em Ruivães dormíamos.


— Nalgum palheiro?


— Em casa do Zé da Neta, num sobrado com cinco leitos, onde nos deitávamos dois a dois.


— Despidos?


— Não sejas maliciosa, que Jesus não gosta. Mulheres de saiote e corpete, homens em camisa e ceroulas.


— Toda a noite?


— Bosteve. À uma da manhã, tocava a cometa. Meia hora depois partia a mala-posta.


— Que era uma carruagem puxada a cavalos?


— Cinco. Duas parelhas e um à frente, o galera.


— A que velocidade?


— Mais ou menos uma légua por hora.


— Por esse andar...


As duas e meia parávamos em Salamonde, à porta do professor, para recolher a mala do correio, que ele atirava da janela para o tejadilho. Uma noite, com o sono (julgo eu, muito embora outros falassem em vinho) em vez da mala, atirou as calças...


— E depois?


— Viu-se em calças pardas com o correio-mor, que levou aquilo à conta de desfeita.


— Quantas pessoas transportava a diligência?


— A lotação eram dez. Seis dentro e quatro ao relento. Mas, se fosse caso disso, os Caniçós, que assim se chamavam os donos e boleeiros, metiam lá outros tantos. Em plano e ao baixo. Que nas subidas, não custava nada: os passageiros iam a pé. Os Caniçós gritavam; Folga ós cavalos! E toda a minha gente apeava. Assim acontecia logo a seguir à taberna da Maculina, no Sudro. Palmilhávamos a rampa do Cubo, das Gavinheiras, pela Senhora do Leite, até à capela de S. Brás, no Penedo. Daqui à Cruz de Real era mais ou menos plaino. Mas muita curva. Nas Cerdeirinhas matávamos o bicho e fazíamos transbordo para a diligência de Vieira, que nos levava à cidade, por Passadouros, Igreja Nova, Frades, Rendufinho, Arcas, Pinheiro Rita, Braga, onde apeávamos à porta do Gregório por volta das onze horas, meio-dia. Algum de vós já foi a Baga?           


— Não senhora!


— Pois se algum dia lá fordes e quiserdes saber onde era o Gregório, procurai a confeitaria Benamor, junto da Arcada. Era ali. Que mais quereis saber.



 


Tempo de ferias e de por a leitura em dia com um livro do escritor barrosão Bento da Cruz, mais um onde ele faz uma referencia a Ruivães e à importância que a Vila tinha em tempos antigos.

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