quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O fabrico da aguardente bagaceira (conhecida por cachaça), foi recordar memórias da minha terra!


Os Alambiques, indústria artesanal caseira foi até final da década de 80 muito próspera em Espindo. Quase todos os bons lavradores, tinham este equipamento.

Estes utensílios são formados pela caldeira, coluna, capacete e serpentina feitas em cobre. A caldeira com água, a coluna com o bagaço e o capacete seladas com farinha centeia amassada, posicionam-se por cima da fornalha. Com a lenha a arder, dá-se o aquecimento, o que provoca a libertação de vapores que se espalham pela serpentina submersa em depósito com água fria para que se dê a condensação - passagem do estado gasoso ao líquido, o qual vai sair pela extremidade inferior da serpentina para o cântaro!

Após a feitura do vinho, ainda há mais para aproveitar daquilo que restou das uvas. O vinho vai para as pipas, o bagaço (cascas, grainhas e cangaços) é levado para o alambique para fazer a aguardente.

Este líquido, há alguns anos atrás, servia muitas vezes de “mata bicho” dos homens, antes de irem para a labuta do campo e era utilizada com fins terapêuticos: servia de desinfectante substituindo o álcool, de digestivo após as refeições, para aliviar a dor de dentes e no tratamento de gripes ou resfriados que aliada ao limão e ao mel fazia milagres!

Porque o trabalho era muito e os braços poucos, por vezes o “monte” de mosto seco ficava algum tempo na prensa para ser destilado. E só o era, quando os dias começavam a ficar mais frios e chuvosos.

Numa data não muito longínqua – na minha recordação, uma manhã em que o ar tinha já a frescura do Outono – o alambique era atestado, a fogueira acesa, com o lume doseado, pois não pode ser de mais nem de menos... o cântaro posto na ponta do cano, esperava-se que o precioso liquido começasse a pingar!

Durante este processo tem que haver alguma atenção por parte dos produtores que fazem a aguardente. A água do tanque por onde passa a serpentina tem que ter uma renovação constante, para não haver paragem da condensação. A chama da fogueira também tem de ser controlada pois se for muito forte a aguardente sai com um gosto desagradável –, queimada! O teor alcoólico também tem de ser vigiado. Deita-se um “trago” para a fogueira para ver se ele ainda tem força para “atiçar” o lume... a outra maneira é directa: prova-se!

Estas tarefas, normalmente executadas durante a noite, reuniam homens que traziam banquitos para se sentar e esperavam pacientes, enquanto as gotas de aguardente caíam uma a uma, límpidas como chuva de inverno. Depois chegava o momento da prova. O copo passava de mão em mão, e dele bebiam grandes, pequenos, e até as mulheres provavam a aguardente nova!

Seguidamente era colocada em barrisde madeira,para mais tarde ser degustada.Alguns produtores gostavam de colocar a aguardente que produzem em pipos de carvalho, onde envelhece durante alguns anos, passando a designar-se aguardente velha a qual adquire uma coloração amarelada, aroma característico e um sabor de grande suavidade.

Não sei se será a mais antiga, mas uma das primeiras recordações que guardo do vinho é a de vê-lo a jorrar do lagar para as pipas e seguidamente para as canecas e tigelas.A memória dos odores também ficou na minha lembrança: o bafo doce dos cestos das uvas na vindima. O cheiro adocicado do mosto e a frescura das pipas lavadas, cheias de água para que as aduelas inchassem. O aroma leve do vinho novo ao ser transfegado. O cheirinho da aguardente acabada de destilar. A fragância do vasilhame!

Todos os anos, após a vindima, a minha mãe fabricava a sua própria aguardente. Mais tarde fazia-a eu com a ajuda dos meus amigos de sempre, para deleite da família e amigos.

Esta prática tão antiga, recriada a semana passada, é hoje em dia punível por via da nova e rígida legislação/lei comunitária que entrou no país conhecida como: “a lei do álcool,” o que levou a que esta tradição caseira, se tenha perdido na sua quase totalidade. Hoje só restam dois ou três particulares a acender o “alambique”, mas só para consumo próprio!

Tal como há 3 anos atrás, os 4 rapagões que passaram no alambique –, eu próprio, o Romeu Fernandes, o André, o João Pinto e ainda a Maria, que além de nos ajudar nestas tarefas, das quais é uma “expert”, ainda nos aqueceu os estômagos com um saboroso almoço acompanhado por vinho doce da sua produção. No final das tarefas ”aguardenteiras” ainda houve tempo para “molharmos as palavras” ao sabor das castanhas assadas na enorme fornalha do alambique!

A todos, obrigado pela ajuda e pelo longuíssimo dia passado em tão boa companhia, que espero, poder em oportunidade vir a recriar com mais amigos ainda, momentos similares!


Guilherme Gonçalves (Casa do Brás – Espindo)

9/11/2013










1 comentário:

Anónimo disse...

Muito obrigado, Senhor Guilherme Gonçalves por esta descrição tão rigorosa e tão específica da forma de trabalhar com o alambique e de fabricar a saborosa aguardente.
Os franceses chamam-lhe "eau-de-vie", sinal de que também lhes serve - ou servia - de mezinha para a cura de alguns males e daqui o nome de "água de vida".
Em meu entender, este texto deveria ser guardado por todos nós, na medida em que é uma verdadeira lição de bem fazer um produto tão apreciado como é a aguardente.
Também há quem a faça de medronho e de outros frutos, mas esta é realmente a melhor e mais apreciada, inclusive no estrangeiro.
E já agora muitos parabéns também pelas fotografias; só nos falta beber um golinho do saboroso líquido, mas provamos virtualmente... e já não é nada mau!!!
Ruivanense Adoptivo