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quarta-feira, 16 de março de 2016

Minas da Cabreira


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- Espere aí. Mas esse tal de Lamalonga não tinha medo que lhe apreendessem os burros?
- Devia ter guias.
- Passadas por quem?
- A Direcção-Geral de Minas.
- E qualquer um as podia pedir?
- Não. Apenas aqueles que tinham concessões legalizadas, género Borralha, Carris, a tal de que lhe falei perto da Portela do Homem, uma outra de alemães na serra da Cabreira. Esses é que requisitavam as guias à Direcção-Geral. Diziam: estamos a explorar tantas toneladas de volfrâmio por mês. Mandem-nos guias para o transportar para as separadoras. Aliás o volfrâmio só poderia ser considerado roubo dentro dos limites do Couto Mineiro. Desde que os ultrapassasse, estava salvo. Um amigo meu negociou toda a vida com outro que tinha uma concessão aí para os lados de cerva e uma separadora nos arrabaldes do Porto. O meu amigo colocava o minério da Borralha na serra da Cabreira. Daí em diante seguia como sendo de Cerva. Tudo fácil. Quando o minério próprio não chegava para alimentar a Fundição, a Borralha adquiria-o noutras minas, tais como: Panasqueira, Argozelo, Valdarcas, Cerva, Vale das Gatas. Um dia o técnico lembrou-se de examinar uma encomenda supostamente vinda de outra mina. Era volfrâmio da Borralha… Tudo fácil, como vê.
- Falou aí numas minas alemãs na Cabreira. Nunca tinha ouvido falar em tal.
- Bem. Chamar aquilo minas é favor. Ergueram meia dúzia de casitas de madeira, tinham lá meia dúzia de homens, fizeram uns buracos, mas suponho que nunca lá exploraram nada. Aliás à Cabreira chegavam apenas uns resquícios duns filões vindo da Borralha. De modo que a suposta exploração dos Alemães se limitava a comprar o volfrâmio aos contrabandistas e a despachá-lo legalmente para a costa.
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Retirado do livro "A Fárria" de Bento da Cruz


quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Bento da Cruz - Escritor Barrosão



Contactei com a obra de Bento da Cruz casuisticamente. Numa manhã não muito distante, juntei o grupo habitual de amigos e fomos a uma feira do livro. Entre os muitos autores saltou-me à vista Bento da Cruz. Autor desconhecido, para mim, até então, e cuja escrita me apaixonou. Foi uma lufada de ar fresco, imbuída de um sentimento de nostalgia, aquele que se abateu sobre mim, aquando da leitura. Mas quem é Bento da Cruz?




0028s4sy (fotografia retirada da net)




Bento Gonçalves da Cruz nasceu em 1925, na aldeia de Peirezes, freguesia da Chã, concelho de Montalegre, Trás-os-Montes. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, exercendo Odontologia em Trás-os-Montes e no Porto. Foi nesta cidade que fixou residência. Em 1959 publica em Coimbra sob o pseudónimo de Sabiel Truta o seu primeiro livro, uma colectânea de poemas intitulada Hemopise. Colaborou no suplemento literário do Jornal de Notícias e na Antologia da Poesia Contemporânea de Trás-os-Montes e Alto Douro, coordenada por Carlos Loures (Coleccção Setentrião, Vila Real, 1968). A propósito das tradições e vivências do Barroso, publicou várias obras de ficção. Ganhou o Prémio Literário Diário de Notícias em 1991. Após o 25 de Abril, fundou o quinzenário regionalista Correio do Planalto. Obras: Planalto em Chamas (1963), Ao Longo da Fronteira (1964), Filhas de Loth (1967), Contos de Gostofrio e Lamalonga (1973), O Lobo Guerrilheiro (198O), Planalto do Gostofrio (1982), Histórias da Vermelhinha (1991), Victor Branco, Escritor Barrosão – Vida e Obra (1995).

Ruralidade e memória são indissociáveis na obra deste autor. Brilhante na forma como redige, consegue despertar todos os sentidos, numa viagem e atenção maravilhosamente redobrada.

Diria que Bento da Cruz escreve com a alma, uma alma repleta de vivências, sentimento e inigualável conhecimento das realidades que retrata.

Fazendo das palavras de Friedrich von Novalis as minhas: “No Mundo tem de se viver com o Mundo. E só se vive, se for no sentido dos Homens com os quais se vive. Todo o bem que há no Mundo provém do interior (e portanto vem-lhe a ele do exterior), mas é apenas uma faísca que, veloz, o percorre. Todo o Excelente faz avançar o Mundo, mas deve desaparecer quanto antes.









Carla Silva









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Para ver mais referências a este autor nesta página, aqui.

domingo, 21 de maio de 2006


— Afinal em que ficamos? Que é que quereis que eu vos conte?


— As viagens que antigamente se faziam daqui a Braga.


— Isso mesmo.


Falavam todos ao mesmo tempo, batiam palmas. Era um reboliço à volta da lareira.


— Está bem, eu conto. Mas quero-vos a todos quietinhos e calados.


Eles aquietavam-se. Ela continuava


— Daqui a Ruivães ia-se a pé ou a cavalo, ao longo de dúzia e meia de aldeias e outras tantas pondras, pontilhões e pontes manhosas.


E quantas léguas?


— Muitas! A direito, serão umas quinze. Mas pelos caminhos velhos, cheios de torcicolos, rampas e precipícios, bota lá para umas vinte bem puxadas.


— Em quantos dias?


— Um.


— Arre!


Mas era preciso sair alta madrugada, para chegar ao escurecer.


— Sem parar?


— Com pequenas pausas. Para comer e outras necessidades. Levava-se um merendeiro, rações de grão para os animais. Amesendava-se pelas estalagens, que tinham comes e bebes para os viajeiros, e estrebarias anexas para as cavalgaduras.


— E não tinham medo?


— Nunca foram assaltados?


— Felizmente não. Mas nem todos tiveram a mesma sorte. Onde quer aparecia uma cruz a pedir um Padre Nosso por alma de quem ali morrera. Estou a lembrar-me de uma à saída da Vila da Ponte, onde em tempos idos, assassinaram um homem da freguesia de Salto; e de uma outra à entrada da Ponte do Arco, hoje submersa pela albufeira da Venda Nova, onde os ladrões mataram um estudante de Calvão, que regressava de Coimbra a casa.


— Oh!!!


E a malta caiu num silêncio de meditação e horror. Logo desfeito por um mais impaciente.


— E em Ruivães saltavam para a diligência.


— Não, meu filho! Em Ruivães dormíamos.


— Nalgum palheiro?


— Em casa do Zé da Neta, num sobrado com cinco leitos, onde nos deitávamos dois a dois.


— Despidos?


— Não sejas maliciosa, que Jesus não gosta. Mulheres de saiote e corpete, homens em camisa e ceroulas.


— Toda a noite?


— Bosteve. À uma da manhã, tocava a cometa. Meia hora depois partia a mala-posta.


— Que era uma carruagem puxada a cavalos?


— Cinco. Duas parelhas e um à frente, o galera.


— A que velocidade?


— Mais ou menos uma légua por hora.


— Por esse andar...


As duas e meia parávamos em Salamonde, à porta do professor, para recolher a mala do correio, que ele atirava da janela para o tejadilho. Uma noite, com o sono (julgo eu, muito embora outros falassem em vinho) em vez da mala, atirou as calças...


— E depois?


— Viu-se em calças pardas com o correio-mor, que levou aquilo à conta de desfeita.


— Quantas pessoas transportava a diligência?


— A lotação eram dez. Seis dentro e quatro ao relento. Mas, se fosse caso disso, os Caniçós, que assim se chamavam os donos e boleeiros, metiam lá outros tantos. Em plano e ao baixo. Que nas subidas, não custava nada: os passageiros iam a pé. Os Caniçós gritavam; Folga ós cavalos! E toda a minha gente apeava. Assim acontecia logo a seguir à taberna da Maculina, no Sudro. Palmilhávamos a rampa do Cubo, das Gavinheiras, pela Senhora do Leite, até à capela de S. Brás, no Penedo. Daqui à Cruz de Real era mais ou menos plaino. Mas muita curva. Nas Cerdeirinhas matávamos o bicho e fazíamos transbordo para a diligência de Vieira, que nos levava à cidade, por Passadouros, Igreja Nova, Frades, Rendufinho, Arcas, Pinheiro Rita, Braga, onde apeávamos à porta do Gregório por volta das onze horas, meio-dia. Algum de vós já foi a Baga?           


— Não senhora!


— Pois se algum dia lá fordes e quiserdes saber onde era o Gregório, procurai a confeitaria Benamor, junto da Arcada. Era ali. Que mais quereis saber.



 


Tempo de ferias e de por a leitura em dia com um livro do escritor barrosão Bento da Cruz, mais um onde ele faz uma referencia a Ruivães e à importância que a Vila tinha em tempos antigos.