quarta-feira, 27 de março de 2019

«S. Christovão»




«Mas não poremos ponto sem adicionar umas pequenas notas coligidas numa segunda visita a Ruivães: 
(…) 
O que ainda existe são evidentes vesdtígios de uma povoação no sítio denominado de S. Christóvão. É um pequeno outeiro, d’onde a vista se delicia num vasto horizonte, cheio de verdura e de luz. 
Caminhando para S. Christóvão, acompanhados do ilustrado parocho sr. P.e José António Fernandes Pereira, e do professor sr. Motta, os nossos olhos a cada passo lobrigavam bocados de tijolo, evidente signal de ter por alli vivido gente. Por alli, ou por perto, devia passar a estrada romana; que muito que a gente de então, romana ou lusitana, erguesse alli casas? A gente de então em alguma parte havia de viver, mesmo para fugir aos lobos.
Mas deixemos a sciencia aos sábios e oiçamos o que nos dizem os nossos ilustrados ciceroni.
No alto do dito local de S. Christovão, surgem-nos de chofre vestígios quasi apagados de uma civilização extincta, que teve os seus alicerces na Cruz. Foi alli – é a tradição – a antiga egreja parochial de Ruivães. No cume de uma penedia que emergia no centro do local, abriu-se uma cavidade, onde se enterrou a Cruz amiga e salvadora, a apontar para o Céu. A esse Calvario subia-se pela mesma penedia, a que se teriam aposto toscos degraus.
Logo adeante ficaria a egreja. Lá vemos ainda, escalonadas pelos muros das tapadas, algumas pedras lavradas. Há uma que parece ter sido a pia batismal. E ninguém fez caso d’aquillo. Os governos d’este pobre paiz, que pensam em tudo e não pensam em nada, os politicantes de má morte, estão à espera de que algum cabreiro boçal dê cabo da ultima pedra lavrada, do último vestígio de uma civilização que foi. Porque, saiba-se de tudo, muitos dos vivos ainda se lembram de haver no local mais pedras do que há hoje.
Mas a maravilha maxima do sitio são os chamados túmulos de S. Christovão, de que aliás já fala o nosso informador sr. A. C. A meio de um caminho, salvas de um vandalismo por milagre, estão duas pedras escavadas à maneira de tumulo, e com circunstancia de se estreitarem no sitio onde deviam encaixar os hombros e a cabeça do defuncto. Seriam túmulos árabes? Seriam túmulos christãos? É diffícil averigua-lo. Os sábios que por aqui andaram – Martins Sarmento, M. Capella, etc., - não sabemos em que sentido se pronunciaram. Alguns accrescentaram que eram túmulos de gente; e que eram de gentegrande, embora os túmulos sejam medianos; e aventam a hypothese de que quebrassem as pernas aos defunctos para eles caberem. Se a versão assenta em base histórica, desde já podemos garantir para a posteridade que os túmulos não eram de portuguezes; por mui pouco civilizado que um povo seja, há de respeitar os mortos. Aliás é selvagem.
Subam a S. Chistovão os sete sábios do mundo moderno – e tivesse elle sete! – e deslindem o tremendo mysterio.»

Retirado do livro «Vieira do Minho: Noticia historica e descriptiva» do Padre José Carlos Alves Vieira. Edição do Hospital "João da Torre". Ano: 1923.

2 comentários:

Anónimo disse...

"E ninguém fez caso d’aquillo. Os governos d’este pobre paiz, que pensam em tudo e não pensam em nada, os politicantes de má morte, estão à espera de que algum cabreiro boçal dê cabo da ultima pedra lavrada, do último vestígio de uma civilização que foi."
Tenho dito!
Ana Miranda Duarte

Anónimo disse...


para ver um relato mais recente: www.ruivaes.com/2019/03/s-cristovao_31.html