quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Ruivães nas Invasões Francesas II

A Ponte do Saltadouro

O Major Warre e o Capitão Gomes, chegados a Ruivães, entraram em contacto com o Capitão-Mor António Luís de Miranda de Magalhães e Meneses e é provável que tenham aconselhado o corte das três pontes de que o I Corpo se poderia servir, na região:

A Ponte Nova, ou do Saltadouro, lançada sobre o ribeiro do mesmo nome, afluente da margem esquerda do Cavado nas proximidades de Salamonde;

A Ponte Velha, ou de Rêz, antiga ponte romana da via Brácara Augusta – Aqua Flávia – Astúrica Augusta, lançada sobre a mesma linha de água;

A Ponte da Misarela que, cerca de uma légua a poente da do Saltadouro, transpõe o rio Rabagão.






A 15 de madrugada, o I Corpo na área de 5. João de Rei, após ter pilhado e incendiado vários povos circunvizinhos, iniciou a marcha para atingir Salamonde ao fim do dia.

A povoação estava deserta, pois os seus habitantes, apesar da inclemência do tempo, tinham preferido refugiar-se nas alturas da Serra da Cabreira a sofrer as consequências da passagem da soldadesca francesa.

Soult acantonou parte das suas tropas na Igreja e nas casas da povoação, que após o normal saque, foram no dia seguinte incendiadas.

Naquele tempo a estrada, a partir de Salamonde, dividia-se em dois itinerários:

O da direita era a estrada que, por Ruivães, Venda Nova e Boticas, atingia Chaves; fora o caminho que Soult seguira em Março anterior, em sentido inverso, aquando do seu avanço sobre Braga.

O da esquerda, era um caminho difícil, uma autêntica vereda áspera que descia de Salamonde, em zig-zagues muito fechados, a íngreme vertente do Cavado e depois a do rio de Ruivães, até atingir a Ponte do Saltadouro; seguia depois junto à margem esquerda do Cavado para passar, uma légua à frente, a impressionante Ponte da Misarela, e atingir mais a norte Paradela e Montalegre, já na fronteira.

Em Salamonde o Duque da Dalmácia obteve informações de que o Brigadeiro Silveira estava instalado nas apertadas gargantas da Serra da Cabreira, barrando-lhe a estrada de Braga para Chaves; também de que a Ponte de Rêz estava cortada e defendida. No que se referia ao itinerário da direita, para Montalegre, estava livre de tropas e apenas defendido na Ponte do Saltadouro por populares e Ordenanças. Deste modo Soult decidiu rapidamente abandonar a estrada para Chaves e seguir a vereda para Montalegre.

Ninguém julgaria possível fazer passar por ali um exército, e era até provável que os seus perseguidores nem conhecessem a existência de tal passagem, e isso mesmo era a segurança, a salvação do I Corpo!

Por aí se lançaram as tropas francesas, rotas, famintas, descalças e escorraçadas, qual fugitivo rebanho que lobos esfaimados perseguissem inexoravelmente.



«O exército iniciou um terrível desfile; dois homens de frente mal podiam, avançar à direita havia rochedos a pique e à esquerda precipícios nos quais o Cavado rolava, mugia e desaparecia».



Era um caminho impraticável, sobretudo para a Cavalaria:



«Nesta região de montanhas que nunca conhecera de quadrúpedes senão algumas cabras selvagens, nós éramos obrigados a marchar a pé, conduzindo os nossos cavalos pela rédea, puxando-os muitas vezes para os fazer transpor um rochedo que a todo o momento nos barrava o caminho.

Marchávamos assim um a um; a testa do regimento atingia o cume de uma montanha, enquanto a cauda se mantinha ainda no fundo da ravina.

O exército inteiro foi obrigado a passar por estes caminhos.

Tendo destruído os cunhetes da artilharia, distribuíram a cada Infante vários pacotes de cartuchos, mas e chuva que caía há alguns dias tinha-os deteriorado de modo que não podíamos disparar um só tiro».



Como já dissemos, Soult foi também informado de que e Ponte do Saltadouro, ou Ponte Nova. (a Ponte Velha era a de Rêz, sobre a mesma linha de água, mais a sul junto a Ruivães) estava defendida e possivelmente cortada, por populares e algumas Ordenanças.

Em verdade o Capitão-Mor de Ruivães, António Luís de Miranda de Magalhães e Meneses mandara convocar pelos párocos das freguesias próximas as Ordenanças da sua área, e ao seu apelo acorreram cerca de 1300 homens, dos quais a maior parte, tinha como armamento, simples utensílios de trabalho, piques ou algumas espadas velhas; só muito poucos se encontravam equipados com obsoletas armas de pederneira, e tinham como apoio duas velhas peças de Artilharia.

Entre estes efectivos avultava a Companhia de Ordenanças de Montalegre que chegara a Ruivães na manhã de 15.

O Capitão António Luís de Miranda, ainda neste dia dispôs as suas forças ao longo da escarpada margem direita do rio Saltadouro, ou de Ruivães, entre a Ponte de Rêz, na estrada para Chaves e a Ponte do Saltadouro no caminho para Montalegre.

Junto de cada ponte colocou uma das bocas de fogo de que dispunha, e mandou ainda algumas forças para a Ponte da Misarela; os efectivos colocados junto de cada uma destas três pontes tinham como missão efectuar o seu corte e levar a cabo a sua defesa.

No Saltadouro os defensores levaram a cabo a tarefa de cortar o único arco da ponte com bastante rapidez e ao fim de algumas horas a passagem estava cortada.

Soult não perdeu tempo: perante as notícias recebidas, mandou vir à sua presença, no princípio da noite de 15 para 16, o Major Dulong Rosnay do 32.° Regimento de Infantaria Ligeira da Brigada Graindorges, a quem expôs a crítica situação em que se encontravam as forças francesas e da necessidade absoluta de rapidamente se conseguir uma passagem que garantisse a retirada. Seguidamente encarregou-o de, com 100 homens, à sua escolha, conquistar a passagem da Ponte do Saltadouro, por uma acção de surpresa durante a noite.



«Desde as 10 horas da manhã (de 15), o tempo estava detestável; ao fim do dia a chuva ainda aumentou e verdadeiras torrentes de água corriam nas ruas de Salamonde.

A obscuridade era a mais profunda, circunstância favorável a uma surpresa».



O bravo Major escolheu os seus homens cuidadosamente, saiu de Salamonde e a coberto da noite aproximou-se em completo silêncio dos restos de velha Ponte.

Esta, cortada durante o dia pelos homens do Capitão-Mor de Ruivães, erguia na intempérie nocturna e inclemente os ramos do seu único arco, quais dois braços negros e gigantescos, crispados num gesto de súplica. Em baixo as águas do Saltadouro escumavam com fragor as suas raivas perpétuas contra os penhascos crus das margens ravinadas.

Dulong deixou os seus homens escondidos nas proximidades e sozinho adiantou-se para estudar a situação; rastejando envolto no negrume da noite, avançou até à extremidade do encontro suspenso sobre o abismo, e ali constatou com espanto e incredulidade que os defensores, após tanto trabalho para cortar o velho e robusto arco de cantaria, tinham deixado uma prancha estendida entre os dois braços da ponte.

Esquecimento? Desleixo? «A imprudência portuguesa?».

Na verdade um daqueles acasos imprevistos e inacreditáveis que tantas vezes alteram o curso da História!

Dulong não perdeu tempo e enquanto, poucos metros à sua frente, os defensores dormitavam abrigados numa choupana e entregues a uma sentinela incauta e ensurdecida pelo bramir da corrente, recuou cuidadosamente até junto dos seus homens.

Uma vez informados da espantosa sorte, que tanto ajuda os audazes, Dulong voltou a rastejar até à ponte e fez passar atrás de si, um a um os seus militares ao longo da prancha, olhos fitos na voragem do abismo e músculos retezados para resistir à vertigem; um dos seus homens resvalou na madeira húmida e despenhou-se no turbilhão da corrente lançando no espaço um longo e dramático grito de pavor. Os assaltantes suspenderam a respiração e os movimentos, enquanto Dulong na frente olhava a imóvel sentinela portuguesa; mas o homem continuou mergulhado no seu turpor pois o trovão contínuo da violência das águas abafava todos os outros ruídos. Após alguns momentos de angustiada espera os assaltantes continuaram no seu lento avançar e assim o Major foi colocando a sua força na margem oposta e cercando nas trevas a cabana onde se abrigavam os incautos defensores da ponte, cuja sentinela fora abatida com um silencioso golpe de sabre.

E foi de súbito, sem tempo para reagir, que os ensonados camponeses vislumbraram, à luz ténue dos restos de uma fogueira, o lampejar do aço frio dos sabres e das baionetas empenhado no cruel afã da degola, do rasgar dos corpos indefesos, enfim, do abrir dessas fontes quentes e rubras por onde em borbotões se evola o sopro irrecuperável da vida.

Poucos segundos, alguns gemidos prontamente abafados e o odor pegajoso do sangue fresco, bastaram para consumar aquela tragédia quase silenciosa.

Pobre gente! Vítima da sua ignorância e da sua excessiva confiança, merece bem, apesar de tudo, a nossa homenagem!

Sem instrução necessária, sem experiência da crueza da guerra, fez o que estava ao seu alcance e deu generosamente a vida na defesa da sua Pátria!

As restantes forças do Capitão-Mor, finalmente alertadas com o que se passava junto à Ponte, tentaram reagir, mas ao perceberem que os franceses tinham passado já a ponte em número que a escuridão e a surpresa multiplicavam assustadoramente, debandaram em pânico, monte acima!

Durante o resto da noite os sapadores trabalharam arduamente para restabelecer com troncos e pranchas, a passagem ao exército de Soult na Ponte do Saltadouro, e de manhã a vanguarda do II Corpo comandada por Loison pôde reiniciar a sua marcha.

Mesmo assim a passagem dos franceses com os seus 4000 cavalos, sobre uma estreita passagem sustentada por alguns troncos, sem guardas, demorou o dia todo, com a perda de muitos animais que se encabritavam e se despenhavam na torrente.

Na retaguarda a brigada Mede e dois regimentos de Cavalaria, instalados numa ravina lateral, a direita apoiada no rio e a esquerda nas escarpas que dominavam a estrada de Salamonde, impediram lutando, que um regimento de Dragões britânico das avançadas de Wellesley se aproximasse do confuso ajuntamento de tropas que ansiosamente aguardava a sua vez de transporem a Ponte.

Entretanto a testa lançava-se pelas escarpadas vertentes do Cavado, na direcção de Paradela.

Mas após duas horas de marcha a tropa francesa foi detida no sítio da Ponte da Misarela, sobre o rio Rabagão: o pesadelo de Soult ainda não terminara!





(continua na próxima quarta-feira)

1 comentário:

Espectador disse...

Em criança contavam-me essa historia só ke diziam ke o povo tinha derrotado os franceses sem homens nem armas, só com inteligencia, diziam ke tinham destruido a ponte mas deixado uma passagem só com algumas tabuas, ke na escuridão da noite e guiados por um fogueira feita pelos nossos compatriotas do outro lado do rio, os franceses meteram-se a ultrapassar o rio julgando a ponte segura e a maioria caiu nas aguas torbulentas. Fico à espera da proxima historia , Mt bom mesmo. Sempre pendei ke era tudo inventado.