terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A BOTA CORTADA…


 


Era uma bota senhores, era uma bota!...
É verdade. É uma bota cortada que fez parte de um par que foi calçado por gente; gente de trabalho, de luta, de persistência, de sacrifício que calcorreou caminhos, vales e montes, buscando na terra que amanhou, nos montes que desbravou, nos animais que pastoreou o incerto da sua subsistência e dos seus.
Podia ser uma bota trabalhada para uma qualquer exposição internacional da autoria da artista plástica Joana Vasconcelos com patrocínios do Secretaria do Estado da Cultura e à custa dos impostos que todos nós pagamos, mas não, é uma bota de gente bem real: de um António, Manuel, Maria, Clara, etc. e que esgotada por já não cumprir a sua missão de protecção de calcantes, foi abandonada na berma do caminho e ali ficou à mercê da natureza que fez dela uma obra de arte como a claramente vista.
É verdade. A borracha resistente ao tempo e à erosão expôs-se ao musgo que lhe emprestou a imagem de um filme de encanto.
É uma bota de borracha cortada, abandonado, que encontrei durante uma das minhas deambulações pelos montes de Vale, e me convidou para, através dela, homenagear os homens e mulheres que durante séculos calcorrearam os caminhos agrestes, mal alimentados, mal agasalhados e mal calçados em busca do pão, fazendo-me lembrar as botas de Judas, no sítio onde ele as perdeu.
Era um par de botas!...
Vale, 2014/11/30

Fernando Araújo da Silva

3 comentários:

Anónimo disse...

Este texto, ainda que escrito em prosa, é um verdadeiro poema e, se quisermos, será até uma Oração.
Quando contemplo os castelos, os grandes palácios e até as belas catedrais, lembro-me sempre daquelas multidões de anónimos que com sangue, suor e lágrimas muito trabalharam e pouco ganharam para realizarem tão gigantescas tarefas.
Esta Bota, já não é uma simples bota, na medida em que materializa o trabalho e o esforço daquele ou daquela que a usou e que, já gasta, a perdeu ou a abandonou à sua sorte, perdida algures no monte.
Mas "Deus escreve direito por linhas tortas" e agora, aquilo que outrora foi uma bota, transformou-se numa obra de arte que a própria natureza se encarregou de moldar a seu gosto e para nosso deleite.
Ruivanense Adoptivo

Anónimo disse...

Uma verdadeira obra de arte da natureza, sem dúvida!

Anónimo disse...

a Natureza tem destas coisas magníficas!