quarta-feira, 14 de abril de 2010



O Dinheiro ou Amor


Cheguei à Holanda numa quinta-feira de chuvas em Novembro e de imediato na segunda-feira começei a trabalhar numa fábrica taiwanesa. Ali passei os seis meses seguintes, oito horas por dia, a montar e a encaixotar computadores, lado a lado com cerca de trezentos homens e mulheres cujas múltiplas origens se encontravam em todos os países do mundo menos na Holanda, porque aquele era o único lugar na cidade onde não era exigido falar holandês. Por outro lado, desde o primeiro dia me apercebi da necessidade tácita de falar francês, inglês ou espanhol de forma a poder comunicar com quem quer que fosse ali dentro; o árabe para cair nas boas graças dos chefes de linha que eram, na sua maioria, turcos e marroquinos; mandarin, coreano e vietenamita se quisesse compreender os grandes silêncios dos asiáticos enquanto trabalhavam; o papiamento para rir ao mesmo tempo que os antilhanos; e a infinidade de dialectos dos africanos como meio de conseguir aproximar-me um pouco mais dos seus olhares melancólicos.

As razões da minha presença naquele lugar babélico eram nada mais que românticas. Poucos meses antes tinha escrito o meu primeiro romance – que permanece até hoje esquecido num ficheiro de um computador que já nem sequer uso – e percebi que para escrever o segundo precisava de me afastar do meu mundo e avançar para outro onde as pessoas fossem diferentes de mim. De modo que ao deparar-me com aquelas caras de formas e côres distintas e com aquelas vozes que conversavam em três idiomas em simultâneo, isso veio apenas reforçar a minha expectativa original: cada pessoa naquela fábrica estaria ali por um romantismo qualquer diferente do meu e também diferente de todos os outros, e eu queria conhecê-los a todos para depois escrever sobre eles.

Até há pouco tempo acreditei que me havia enganado: as histórias das suas vidas pareceram-me sempre estar muito longe literatura. E a verdade é que, colocando de parte um antilhano de dois metros ao qual fui buscar os alicerces para uma pesonagem do meu segundo romance (este sim, tornado público), esta é a primeira vez que escrevo sobre aquela fábrica de imigrantes na Holanda. Pois após ter escutado todos os relatos das suas viagens até ali, descobri que era possível resumir todas as motivações daqueles homens e daquelas mulheres a duas palavras apenas: dinheiro e amor. E diria ainda que os trabalhadores da fábrica se dividiam entre estes dois estímulos tão comuns ao ser humano em dois grupos quase iguais. Havia aqueles que tinham largado tudo o que conheciam para ir em busca de um meio de sobrevivência; e depois havia os que tinham partido atrás dos primeiros por não suportarem a penúria da distância. Só isso. Nada de desejos de aventuras ou esperanças no futuro da humanidade, nada de sonhos remotos por uma vida maior ou vontade de conquistar mais mundo, nada de gloriosas campanhas à procura da felicidade. Apenas a certeza inabalável na velha lei da oferta e da procura e no antigo mito de que algures no velho continente a procura de mão-de-obra supera a oferta. Mas também a fé nesse mito mais antigo ainda de que se morre primeiro de amor e saudade que de fome.

Grande parte dos trabalhadores eram jovens e ainda assim muitos contavam já com largos anos de Europa no estômago e no coração. Quase todos tinham já vivido noutros países antes de chegarem à Holanda e conheciam mais cidades e costumes que um jovem europeu em viagem de combóio no Verão. Tinham ensinado os ouvidos e a alma a escutar novas sonoridades musicais, tinham provado drogas que já conheciam e outras que lhes eram estranhas, tinham estudado para terminar o liceu, alguns até a universidade, tinham tirado a carta de condução, tinham casado com a namorada que entretanto chegara do outro lado do mundo, tinham tido filhos, tinham traído a pessoa a quem amavam e por quem haviam atravessado meio mundo, tinham comido as iguarias exóticas desta terra tão velha, tinham comprado as roupas da moda, e muitos não tinham feito mais do que acordar de manhã para trabalhar na fábrica e regressar a casa no final do dia sem outra vontade para além de sonhar durante a noite. Enfim: entretanto tinham vivido. E, porém, tudo isso era menor quando comparado com a sede sempre viva de dinheiro ou de amor.

Os quatro idiomas que falo nunca me permitiram aproximar-me deles da maneira que tinha desejado. Enquanto eu estava ali a prazo, todos eles viviam um dia depois do outro na esperança eterna de que o mundo não mudasse outra vez de repente. Pois todos eles falavam muito em regressar a casa, quando fosse lá que estivesse o dinheiro ou amor.


David Machado

domingo, 4 de abril de 2010

Compasso Pascal










Fotografias tiradas durante a tarde de hoje aos elementos que fizeram parte do Compasso Pascal que andou em Vale e Ruivães. Amanhã será a vez dos lugares de Espindo, Zebral, Botica e Stª Leocádia, pelo que a Páscoa continua.