sábado, 27 de dezembro de 2025

«Levada do Poço Longo: Um alerta na defesa de direitos ancestrais»


 

Está a decorrer o processo de consulta pública (entre 2025-10-07 e 2025-11-17) da responsabilidade da MINERÁLIA, para apreciação e decisão pelas autoridades competentes para a execução do projeto de concessão e exploração da Mina da Borralha, que terá impacto nas freguesias de Salto, do concelho de Montalegre, e a UF de Ruivães e Campos, no concelho de Vieira do Minho.
Para além dos demais impactos para a UF de Ruivães e Campos, o projeto de execução poderá originar a retirada de água do caudal da Ribeira da Laje, mais precisamente o desvio da mesma na barragem da Cruzinha para abastecer a mina; água que faz parte da linha de água que alimenta a levada utilizada para regadio das populações de Ruivães, Quintã, Vale e Botica e que ao longo de séculos as referidas populações têm pugnado pela defesa dos direitos à mesma, com ações no terreno de trabalhos de manutenção e vigilância.

A exploração daquela água para regadio vem seguramente de data anterior ao ano de 1790 e confirmada na autorização concedida neste ano pela Rainha D. Maria, conforme consta na Certidão de Teor do documento arquivado no maço de documentos arquivados a pedido das partes e registado no respetivo livro número dois, a folhas vinte e quatro, que em seis de Março de mil novecentos e setenta se encontrava arquivado no Cartório Notarial de Vieira do Minho e de cujos registos nessa data foi extraída certidão de teor para entrega à Comissão Administrativa da levada que nessa data administrava “… que António Luis de Miranda Meneses e Magalhães, Capitão Mor do concelho de Ruivães, Comarca de Bragança; Me Representou por sua petição que ele com os mais Moradores da Vila do mesmo Concelho e Juradia de Ruivães, Vale, Quintão, e honras, se utilizarão de uma Levada de Água do Rio de Ruivães, no sítio do Poço Longo, para Regarem os seus Milhos no Tempo necessário; e porque no tempo em que aos mais consortes se lhes não fazia preciso e a deixarão correr para o Rio; a queria o Sup.e aproveitar para Limar das suas terras e poder conduzir a mesma água pelo Aqueduto que era conduzida pelo tempo de Verão não só a Regar as suas Terras, mas também dos demais consortes…”. “,,,.Hei por bem que o Sup.e possa conduzir para as suas terras a Água do Rio mencionado pelo mesmo Aqueduto que ele e os mais consortes se servem.”
Resulta então que as águas que alimentam a levada do Poço Longo são todas as águas resultantes das escorrências das chuvas e nascentes naturais que alimentam as respetivas linhas de água a montante da represa do Poço Longo e que garantem o caudal do rio da Laje, popularmente conhecido por rio de Ruivães, no qual se encontra a referida barragem da Cruzinha, sendo que o direito àquelas águas, em tempos idos, deu origem a uma ação judicial de disputa das mesmas entre a população de Ruivães e proprietários das terras a montante da represa do Poço Longo, constando que na ação de julgamento foi apresentada a imagem de S. Bartolomeu como herdeiro da mesma água, cuja decisão foi favorável às gentes de Ruivães. De então para cá, no dia 24 de Agosto de cada ano (dia de S. Bartolomeu), pelo menos até às 12h00, a água da levada corre pela conduta em frente ao adro da igreja paroquial de Ruivães, no fundo da Cerca, em homenagem ao santo.
De qualquer forma, sempre importará ter em conta que aquelas águas foram concedidas para o fim especifico que era “… para Regarem os seus Milhos no Tempo necessário…” e “…aproveitar para Limar das suas terras…”. Ora, os milhos, atualmente, muito poucos se cultivam e a rega de lima não se faz, estando a esgotar-se os fins da concessão régia e corre-se o risco da mesma se perder por força do artº. 1397º. do Código Civil que diz “As águas referidas nas alíneas d), e), e f) do nº. 1 do artº 1386º. são inseparáveis dos prédios a que se destinam, e o direito a elas caduca, revertendo as águas ao domínio público, se forem abandonadas, ou não se fizer delas um uso proveitoso correspondente ao fim a que foram destinadas ou para que foram concedidas.”
Embora as atividades agrícolas que garantiram a subsistência aos habitantes locais não tenham a expressão de outrora, certo é que a água da levada do Poço Longo é um bem que merece muita atenção, tanto pelo valor inestimável que sempre teve como fator de produção das terras, como o que tem atualmente pela disponibilidade de um bem essencial à vida das populações, sendo fator de alimentação de nascentes a jusante do aqueduto principal.
As populações de Ruivães devem continuar, firmemente, a pugnar pelo direito à água da Levada do Poço Longo. Mas a melhor maneira de o fazerem é darem uso à mesma por forma a que não sejam permitidos aproveitamentos pelos grupos económicos que por norma ignoram os direitos ancestrais, os usos e costumes, as populações e o património. E as terras de Ruivães, Quintã, Vale e Honras (Botica), não se podem dar ao luxo de ficarem sem a água da levada, sob pena de se transformarem em deserto, dado as caraterísticas orográficos e a composição dos frágeis solos.
Ruivães, 06.11.2025 - Fernando Araújo da Silva
2025-11-12

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