sábado, 27 de dezembro de 2025

«A importância de ser avô»




Tive a felicidade de conviver com os meus avós (paternos e maternos), mais ainda com os paternos, que por contin­gências da vida me criaram até aos 12 anos em Ruivães. Meu avô, João de Barros, o patriarca de uma grande família onde se incluía meu pai, e vindo de outra família de Rossas donde era natural (um de treze irmãos), marcou-me para toda a vida. Foi o meu “Guru”, ainda hoje me vêm à ideia muitos dos ensinamentos que ele me ministrou. Ora, eu que fiz recente­mente oitenta anos, e que tenho a felicidade de também ser avô, aos meus netos transmito muito do que meu avô me ensinou, e quando o faço recordo aquela figura cândi­da e doce quando me fazia avisos ou chamava a atenção de algo importante para a minha educação.
Esse homem extraordinário e figura mística de Ruivães, nas minhas crónicas o refiro muitas vezes, e hoje fui ao fundo do meu saber para o retratar em moldes atuais, sem destoar o que ele era e como era.
O “tio João Latoeiro”, era uma expressiva figura de ancião. A fronte larga e desafrontada de cãs, os olhos ainda vivos e penetrantes e em toda a fisionomia, permanentes indícios de habituais meditações e porventura de passados infortúnios, elevando aquele semblante muito acima da vul­garidade. Os anos ou, mais ainda que os anos, os pesares haviam subjugado nele a robustez de outros tempos; os hábitos de solidão que adquirira, a pouco e pouco lhe amoldaram o caracter até fazerem dele um desses tipos excecionais, que atravessam o mundo entre a estranheza de quantos o rodeiam, a ninguém permitindo sondar os mistérios que guardava consigo e para si, e criando para uso próprio regras de viver, sem atenção às convenções sociais.
“Tio João Latoeiro” era um enigma vivo, e eu lhe presto esta homenagem. Nasceu em Pombal (Rossas) em 19 de janei­ro de 1880, e faleceu em Ruivães igualmente a 19 de janeiro, mas de 1967. (Coincidência das coincidências, meu filho nasceu também em 19 de janeiro de 1976). Amei aquele homem a quem chamava “paizinho” (como era uso na época), e só temia não poder estar presente no seu funeral, porque estava a dias de embarcar para Timor, mas o Exército me permitiu ir a Ruivães despedir dele. Chorei como nunca chorei por ninguém.
Deus o tenha num bom lugar, porque era um bom homem.
Manuel Joaquim F. de Barros
2025-11-12

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